O Transplante cardíaco (TC) é um dos melhores tratamentos para a insuficiência cardíaca (IC) refratária com melhora da sobrevida e da qualidade de vida.
Os pacientes com indicação de transplante cardíaco são pacientes com IC refratária, dependente de drogas inotrópicas ou suporte circulatório mecânico ou aqueles com IC classe funcional III/IV persistente apesar da otimização do tratamento clínico farmacológico e não farmacológico.
As indicações de TC segundo a Diretriz Brasileira de Transplante Cardíaco são:
Entre as contra-indicações podemos citar:
Após a indicação, a avaliação e a ausência de contraindicações ao TC, o paciente é incluído em fila. Essa inclusão pode ser em critério de prioridade, quando o paciente está em uso de drogas inotrópicas ou em suporte mecânico ou inclusão em fila de não prioridade, geralmente em regime ambulatorial. Enquanto o paciente aguarda o TC, as medidas clínicas farmacológicas e não farmacológicas devem ser mantidas e otimizadas.
Existem 2 tipos de TC, o ortotópico no qual o coração do doador ocupa o lugar do coração do receptor e o heterotópico no qual os corações do doador e do receptor se interligam.
O transplante ortotópico pode ter duas técnicas: a clássica e a bicaval.
Na técnica clássica átrios do receptor são preservados e suas principais complicações são: formação de trombos intra-atriais, arritmias e insuficiência das valvas atrioventriculares.
Na técnica bicaval o átrio esquerdo é totalmente removido, permanecendo apenas dois segmentos onde se inserem as veias pulmonares, para sutura do átrio esquerdo. Essa variante tem, entre outras, algumas vantagens: preservar a geometria atrial, diminuir a incidência de arritmias no período pós-operatório e de insuficiência tricúspide.
O transplante heterotópico é uma alternativa ao ortotópico nos pacientes com resistência vascular pulmonar > 5 uW e desproporção entre o peso do doador e do receptor maior do que 20%.
A tolerância entre a retirada do coração do doador é de 4 horas. Acima desse tempo, o coração apresenta alterações estruturais que podem comprometer o sucesso do procedimento.
O sucesso do TC se deve aos imunossupressores que diminuem os episódios de rejeição e aumentam a sobrevida dos pacientes após o TC cardíaco. O esquema imunossupressor de rotina inclui corticosteroide, inibidor de calcineurina e antiproliferativo. Outros imunossupressores mais recentes, os inibidores de sinal da proliferação (ISP), têm sido incluídos em situações especiais que serão abordados mais adiante.
Apresentam um efeito imunossupressor e anti-inflamatório, atuando na regulação de genes que afetam a função de leucócitos, citocinas, moléculas de adesão e fatores de crescimento. São utilizados em altas doses nas fases iniciais e nos episódios de rejeição aguda. Devido aos seus inúmeros efeitos colaterais como: intolerância glicose, osteoporose, obesidade, catarata e hipertensão arterial, sua retirada pode ser a partir do 6º mês pós-transplante naqueles pacientes sem rejeições agudas.
Representados pela ciclosporina e tacrolimus. Sua ação leva a formação de complexos chamados imunofilinas que se ligam à enzima calcineurina, bloqueando sua atuação e inibindo a síntese de IL-2 pela célula T. São utilizados como imunossupressores de manutenção. Apresentam metabolismo hepático via citocromo P450 (CYP-3A), por isso, inúmeras drogas podem alterar seus níveis séricos.
Dose: 3 a 6 mg/kg/dia. Deve ser monitorizada com nível sérico antes da tomada. Ocorre uma redução progressiva da dose conforme o tempo de transplante. O nível sérico pode variar conforme a condição clínica de cada paciente (rejeição, efeitos colaterais, insuficiência renal, interação medicamentosa).
Os principais efeitos colaterais são: insuficiência renal, hipertensão arterial, intolerância a glicose, neurotoxicidade, hepatotoxicidade, efeitos tróficos (pelos, gengiva), neoplasias (linfoma e pele), hiperuricemia.
Dose: 0,1 a 0,2 mg/kg/dia. Deve ser monitorizado com nível sérico(coleta imediatamente antes da ingesta e também se reduz a dose com o tempo de transplante).
Efeitos colaterais: semelhantes aos da ciclosporina, porém maior tendência à hiperglicemia.
A conversão de ciclosporina para tacrolimus pode ser feita para tratamento de rejeição recorrente.
É uma pró-droga que se converte em 6-mercaptopurina, e atua através da incorporação aos ribonucleotídeos das células, inibindo a síntese de DNA e RNA.
Dose: 1,5 - 2,5 mg/kg/dia. Não se monitoriza o nível sérico, porém, orienta-se manter número de leucócitos acima de 3000.
Efeitos colaterais: leucopenia, mielossupressão, hepatite, pancreatite.
É convertido em ácido micofenólico e atua inibindo não competitivamente a enzima inosina monofosfato desidrogenase na via de novo da síntese de purinas, promovendo redução da proliferação de linfócitos de maneira mais seletiva.
Dose: 720 mg 12/12 h.
Efeitos colaterais: principalmente trato gastrintestinal.
Representados pela Rapamicina e Everolimus. Formam um complexo intracelular com a enzima FKBP12, inibindo a atividade da enzima mTOR (mammalian target of rapamycin) e interferindo em inúmeros mecanismos celulares de crescimento e proliferação tanto do sistema imune como de outros tecidos (como a musculatura lisa vascular). OS PSI levam a redução da incidência e progressão da doença vascular do enxerto, melhora a função renal e redução de neoplasias. Efeitos colaterais: hipertrigliceridemia, plaquetopenia, anemia e leucopenia, retardo da cicatrização de ferida operatória.
Rapamicina - dose 2 mg/dia
Everolimus - dose: 0,5 - 1,5 mg/dia
A terapia de indução tem como objetivo induzir rapidamente imunossupressão, reduzir rejeição aguda e facilitar a manutenção das drogas habituais. A terapia de indução pode reduzir o risco de rejeição humoral, e posterga a introdução dos inibidores de calcineurina.
As principais indicações da terapia indutora são: painel linfocitário com sensibilização; Cr > 2,0 mg/dl ou sinais de deterioração da função renal; Previsão de complicações renais no pós-operatório; Doador mulher.
A terapia de resgate refere-se ao uso de drogas ou estratégias imunossupressoras diferenciadas para controle de rejeição crônica ou aguda de difícil manejo com drogas habituais.
INIBIDOR DA CALCINEURINA: | ESTERÓIDE | ANTIPROLIFERATIVO | ||
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CICLOSPORINA | MICOFENOLATO MOFETIL | MICOFENOLATO SÓDICO | ||
PRÉ-OP (1h) | --- | --- | 1G VO | 720 MG VO |
INTRA-OP | --- | SOLUMEDROL 1 G EV | --- | --- |
PO IMEDIATO | 1 MG/KG/DIA EV(50 MG CSA diluído 250 ML SF OU SG=2MG CSA / 10 ML) INFUSÃO 0,5-2 MG/H* | SOLUMEDROL 250 MG EV 8/8H | 1G VO 12/12H | 720 MG VO 12/12H |
1º PO | 1,25 MG/KG/DIA EV | SOLUMEDROL 125 MG EV 8/8H | 1G VO 12/12H | 720 MG VO 12/12H |
2º PO | 1,5 MG/KG/DIA EV | SOLUMEDROL 125 MG EV 12/12H | 1G VO 12/12H | 720 MG VO 12/12H |
3º PO | 5 MG/KG/DIA VO fracionado 12/12H | PREDNISONA 1MG/KG VO 1X/DIA | 1G VO 12/12H | 720 MG VO 12/12H |
A PARTIR DO 4º PO | AJUSTE CONFORME C0 | REDUZIR 0,1 MG/KG POR SEMANA | 1G VO 12/12H | 720 MG VO 12/12H |
INIBIDOR DE CALCINEURINA | ESTERÓIDE | ANTIPROLIFERATIVO | |
---|---|---|---|
CICLOSPORINA | AZATIOPRINA | ||
PRÉ-OP (1h) | --- | --- | 3 MG/KG VO |
INTRA-OP | --- | SOLUMEDROL 1 G EV | --- |
PO IMEDIATO | 1 MG/KG/DIA EV(50 MG CSA diluído 250 ML SF OU SG =2 MG CSA / 10 ML) INFUSÃO 0,5-2 MG/H* | SOLUMEDROL 250 MG EV 8/8H | 1 MG/KG VO 12/12H |
1º PO | 1,25 MG/KG/DIA EV | SOLUMEDROL 125 MG EV 8/8H | 1 MG/KG VO 12/12H |
2º PO | 1,5 MG/KG/DIA EV | SOLUMEDROL 125 MG EV 12/12H | 1 MG/KG VO 12/12H |
3º PO | 5 MG/KG/DIA VO fracionado 12/12H | PREDNISONA 1MG/KG VO 1X/DIA | 1 MG/KG VO 12/12H |
A PARTIR DO 4º PO | AJUSTE CONFORME C0 | REDUZIR 0,1 MG/KG POR SEMANA | 1 MG/KG VO 12/12H |
Indicações: Terapia de indução ou tratamento de rejeição aguda grave.
Dose: 1,5 mg/kg/min durante 3 a 7 dias com objetivo de reduzir a contagem de células CD3 < 10% do valor pré-tratamento.
Efeitos colaterais: reações sistêmicas de febre, calafrios, taquicardia, vômitos e dispnéia, reações de hipersensibilidade, leucopenia, trombocitopenia e complicações infecciosas associadas à imunossupressão profunda.
Indicação: Terapia de indução.
Dose: 2 doses de 20 mg, 1ª dose - 2 horas antes do transplante e 2ª dose - 4 dias após.
Administração: diluída em 50 ml de SF 0,9% ou Glicose 5% em infusão endovenosa em 20 a 30 minutos.
Efeitos Colaterais: hipersensibilidade.
Pode ser usado em pacientes com rejeição celular persistente ou recorrente e também na rejeição humoral.
Posologia: 2,5 mg de 12/12h, 3 vezes por semana, por 4 a 12 semanas.
Efeitos colaterais: mielossupressão, hepatotoxicidade, alterações do trato gastrointestinal, alopecia e nefrotoxicidade.
A rejeição aguda pode ser do tipo celular, humoral (mediada por anticorpos) ou mista.
A rejeição aguda celular é a mais freqüente e caracteriza-se morfologicamente por infiltrado linfocítico contra os miócitos. Os sintomas clínicos são variáveis. Na maioria das vezes os pacientes apresentam-se assintomáticos. Nenhum sinal ou sintoma é patognomônico de rejeição, entretanto, quando presentes, podem incluir: sintomas constitucionais inespecíficos (febre, mialgia, mal-estar, desconforto articular e sintomas gripais), irritação cardíaca (taquicardia, atrito e/ou derrame pericárdico, arritmias - principalmente atriais - fibrilação atrial/ flutter).
Na suspeita clínica de rejeição é fundamental a realização de ecocardiograma para avaliação de função ventricular e biópsia endomiocárdica.
Caso o paciente apresente quadro clínico sugestivo de disfunção cardíaca é fundamental a realização do ecocardiograma. Caso seja confirmada disfunção ventricular, em especial de início recente, existe indicação de tratamento específico contra rejeição mesmo antes da biópsia endomiocárdica.
GRAU 0 R | AUSÊNCIA DE INFILTRADO |
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GRAU 1 R |
FOCAL LEVE
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GRAU 2 R |
DIFUSA LEVE
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MODERADA FOCAL
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MODERADA MULTIFOCAL
|
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GRAU 3 R |
DIFUSA GRAVE BORDERLINE
|
DIFUSA GRAVE
|
BIÓPSIA - ISHLT -2005 | COMPROMETIMENTO HEMODINÂMICO / DISFUNÇÃO VENTRICULAR | |
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AUSENTE | PRESENTE | |
1R | Rever esquema imunossupressor | Pesquisar rejeição humoral e doença vascular do enxerto |
2R | PO RECENTE: METILPREDINISOLONA 10 A 15 MG/KG EV POR 3 A 5 DIAS | METILPREDINISOLONA 10 A 15 MG/KG EV POR 3 A 5 DIAS + ATS 1,5 MG/KG/DIA EV POR 3 A 5 DIA |
PO TARDIO: PREDNISONA 1MG/KG/DIA VO POR 3 A 5 DIAS | ||
3R | METILPREDINISOLONA 10 A 15 MG/KG EV POR 3 A 5 DIAS + ATS 1,5 MG/KG/DIA POR 3 A 5 DIAS | METILPREDINISOLONA 10 A 15 MG/KG EV POR 3 A 5 DIAS + ATS 1,5 MG/KG/DIA EV POR 3 A 5 |
É a manutenção de infiltrado celular linfocítico 2R ou 3R a despeito de tratamento adequado, incluindo pulso com corticóide e ajuste da imunossupressão.
Nestes casos as opções terapêuticas incluem:
É o processo resultante da deposição de imunoglobulina (anticorpo) contra antígenos do doador localizados na superfície endotelial da microvasculatura coronariana. Apesar de mais comum no pós-transplante recente (principalmente na presença de prova cruzada positiva, ou receptores sensibilizados com anticorpos anti-HLA pré-formados) também pode ocorrer tardiamente. A rejeição humoral hiperaguda ocorre de minutos a horas após o transplante e consiste em violenta resposta imune sobre o enxerto devido a anticorpos pré-formados (por ex. incompatibilidade ABO).
Apresenta mortalidade elevada nos quadros agudos se não tratada agressivamente. Seu diagnóstico deve ser suspeitado, em especial no pós-transplante inicial, quando ocorre comprometimento hemodinâmico (disfunção do enxerto) na presença de biopsia endomiocárdica sem infiltrado celular intenso. Os critérios diagnósticos incluem, além da disfunção do enxerto, a determinação de marcadores imunológicos na biopsia e de anticorpos séricos específicos contra o doador.
O tratamento da rejeição humoral deverá ser realizado quando os achados histológicos se correlacionarem com o quadro clínico e presença de disfunção do enxerto e consiste em imunossupressão intensa buscando a retirada de anticorpos e mediadores da circulação, bem como a redução da produção dos mesmos.
A doença vascular do enxerto (DVE) é a principal complicação tardia após transplante cardíaco sendo responsável por grande parte dos óbitos após o primeiro ano de seguimento. Em 5 anos após o TC 50% dos pacientes apresentarão algum grau de DVE.
A DVE é caracterizada por uma proliferação difusa, concêntrica da camada miointimal dos vasos. Os ramos intramiocárdicos são usualmente envolvidos, assim como o sistema venoso.
Os mecanismos envolvidos no desenvolvimento da DVE ainda não estão totalmente elucidados. Considera-se que fatores imunológicos (morte encefálica, preservação do enxerto, fenômenos de isquemia e reperfusão) e não imunológicos (como dislipidemia, obesidade, hipertensão, tabagismo, diabetes e sedentarismo) exerceriam influência conjunta na instalação do processo.
As infecções por citomegalovírus também têm sido descritas como sendo responsáveis pelo desenvolvimento de DVE, provavelmente por interferir no processo de proliferação endotelial, via mecanismo imunológico.
Os sintomas da DVE são inespecíficos e podem ser arritmias, IC e ate morte súbita.
O padrão ouro para o diagnostico é a cineangiocoronariografia. O uso de ultrassom intra-coronário pode aumentar a sensibilidade na detecção de lesões mais precoces e na análise das modificações das lesões. Entre os métodos não invasivos podemos indicar o ecocardiograma com estresse e a angiotomografia de coronárias.
As drogas de tratamento e prevenção da DVE são as estatinas e os PSI.
Para os pacientes que já apresentam a doença instalada, as opções terapêuticas são a angioplastia com colocação de stent, revascularização miocárdica ou retransplante.
A infecção ativa por CMV é muito comum após o TC, podendo ser assintomática ou causar febre, depressão medular, doença do trato gastrointestinal, SNC, pulmão e retina. Além de efeitos diretos, há evidência de dano indireto relacionado à replicação viral, como rejeição aguda e redução da sobrevida do enxerto em longo prazo, possivelmente associado à coronariopatia pós-transplante.
O diagnóstico é realizado através da antigenemia para CMV e é realizado de rotina semanalmente até a alta hospitalar.
Tratamento é realizado quando a antigenemia apresenta > 10 células/campo e é feito com Ganciclovir por via venosa, ou valganciclovir por via oral por pelo menos 14 dias.
A toxoplasmose pode ser grave e levar a morte após o TC. A maioria ocorre como de doença aguda, transmitida pelo órgão transplantado de doador soropositivo para receptor soronegativo.
Verificar sorologia do receptor:
Esquema: Pirimetamina por 6 semanas. Complementar com ácido folínico.
A reativação da infecção por Trypanosoma cruzi pode ocorrer em pacientes após transplante cardíaco devido à imunodepressão. As manifestações mais frequentes são miocardite e paniculite.
Na suspeita de reativação, devem-se buscar a detecção em tecidos (imunoperoxidade com anticorpo anti Trypanosoma cruzi, PCR, etc.) e a utilização de esfregaço, xenodiagnóstico ou hemocultura.
A redução da imunodepressão, quando possível, deve ser preconizada diante do diagnóstico ou da suspeita de reativação. As medicações que foram utilizadas para o tratamento específico da reativação com sucesso foram o benzonidazol e o alopurinol.
Após o transplante, existe aumento da incidência de neoplasias malignas, principalmente de pele e sistema hematopoiético. Está relacionada ao uso de drogas imunossupressoras e infecções.
É recomendada a realização de screening para câncer de pele, câncer de mama, próstata, útero, cólon e pulmão periodicamente e o uso de protetor solar.
Os imunossupressores de escolha em pacientes com neoplasia são os PSI, que possuem efeitos antitumorais.
Os principais desafios no manejo do seguimento tardio após o TC são os efeitos colaterais dos imunossupressores e a prevenção e tratamento da DVE.
Dentre os efeitos colaterais podemos citar a hipertensão arterial sistêmica (HAS), que após 5 anos de TC está presente e, 94% dos pacientes, dislipidemia presente em 85%, o diabetes melito que ocorre em 33% e a insuficiência renal que aparece em 21% após 5 anos. A principal causa para essas comorbidades é o efeito deletério dos imunossupressores.
Apesar disso, após 1 ano de TC a maioria dos pacientes não apresenta nenhuma limitação funcional, sendo independente e reinserido na sociedade.