O uso dos betabloqueadores no tratamento da Insuficiência cardíaca crônica (ICC) já foi proscrito, pois se acreditava que o seu efeito inotrópico negativo seria deletério para os pacientes com a doença. Entretanto, quando estudamos mais a fundo a fisiopatologia da insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida sintomática, observamos que existe uma grande ativação de mecanismos neuro-humorais, incluindo o Sistema Nervoso Simpático, determinando uma elevação sistêmica dos níveis séricos de noradrenalina e outros agentes vasoconstrictores. Dessa forma, o bloqueio dos receptores beta adrenérgicos ganhou espaço, reduzindo os efeitos deletérios da ativação simpática e proporcionando um aumento na sobrevida dos pacientes com ICC.
A ação dos betabloqueadores utilizados no tratamento da ICC é bastante ampla:
O conjunto de todas essas ações se reflete na prática clínica através de uma melhora na função sistólica após o uso desse medicamento, com aumento da fração de ejeção em torno de 5 a 10% e, além disso, redução dos sintomas.
Mas, embora existam três classes de betabloqueadores: Não seletivos (Primeira geração), Beta 1 Seletivos (Segunda Geração) e Betabloqueadores com efeito Vasodilatador (Terceira Geração), o benefício citado anteriormente no tratamento da ICC não é observado em todas elas. Atualmente são preconizados apenas alguns betabloqueadores de 2ª e de 3ª geração (Bisoprolol, Succinato de Metoprolol, Carvedilol e Nebivolol), pois, aparentemente, não existe um efeito de classe e estes foram os únicos que mostraram resultados positivos para o tratamento da ICC.
O primeiro grande estudo que mostrou redução da mortalidade com o uso desses fármacos no tratamento da ICC foi o US-Carvedilol Heart Failure Study Group Trial, publicado em 1996 no NEJM. Trata-se de um ensaio clínico randomizado, placebo controlado e duplo cego que avaliou os efeitos do carvedilol na taxa de sobrevida e hospitalização por causas cardiovasculares em 1094 pacientes com ICC sintomática (CF II e III - NYHA) e FE < 35% (média: 23%), em uso de IECA, vasodilatadores, diuréticos de alça e digital. O resultado foi um menor índice de mortalidade e de hospitalização no grupo carvedilol, com uma redução de risco relativo de morte atribuído ao carvedilol de 65%, o que levou à interrupção prematura do estudo.
Outros estudos de grande importância na consolidação do uso dos betabloqueadores no tratamento da Insuficiência cardíaca foram o CIBIS II, publicado no Lancet em Janeiro de 1999, que comparou Bisoprolol versus Placebo, comprovando redução de mortalidade e morte súbita no grupo do Bisoprolol; o MERIT-HF, publicado em Junho de 1999 no Lancet que mostrou também redução de mortalidade e morte súbita com o Succinato de Metoprolol, em relação ao grupo placebo; CAPRICORN e COPERNICUS, ambos publicados em Maio de 2001 no Lancet e no NEJM, comparando Carvedilol e Placebo em pacientes pós-IAM (com ou sem IC) e na ICC severa (FE < 25%), respectivamente, ambos comprovando menor risco de morte no grupo Carvedilol. E, por último, o SENIORS, publicado em 2005 no European Heart Journal, que comparou Nebivolol e Placebo em pacientes com ICC (FE ≤ 35%) e idade a partir de 70 anos, comprovando benefício com o uso do Nebivolol (redução de risco absoluto de mortalidade por todas as causas e hospitalização).
Em todos esses ensaios clínicos os pacientes incluídos eram portadores de ICC compensada e a terapia foi iniciada em doses baixas, sendo tituladas gradativamente, dobrando a dose a cada 7 a 10 dias, de modo a atingir a dose máxima em 30 dias. A importância disso é minimizar o efeito inotrópico negativo, oferecendo uma tolerância melhor por parte dos pacientes. Entretanto, atualmente já existem estudos que mostram boa tolerância e resultados semelhantes com a duplicação da dose a cada 2 a 3 dias, permitindo atingir a dose máxima mais rapidamente e com segurança.
Betabloqueador | Geração | Dose Inicial | Dose Final |
---|---|---|---|
Succinato de Metoprolol | 2ª | 12,5mg, 1X/dia | 100 a 200mg, 1X/dia |
Bisoprolol | 2ª | 1,25mg, 1X/dia | 10mg, 1X/dia |
Carvedilol | 3ª | 3,125mg, 2X/dia | 25 a 50mg, 2X/dia |
Nebivolol | 3ª | 1,25mg, 1X/dia | 10mg, 1X/dia |
Atualmente, as recomendações apresentadas na atualização da Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica, publicada em 2012 quanto ao uso de betabloqueadores para o tratamento da ICC sistólica são as seguintes:
Classe de Recomendação | Indicação | Nível de Evidência |
---|---|---|
I | Bisoprolol, Carvedilol e Succinato de Metoprolol para o tratamento da IC com disfunção sistólica | A, B* |
I | Classe Funcional II-IV da NYHA com disfunção sistólica associado com IECA ou BRA | A, B* |
I | Classe Funcional II-IV da NYHA com disfunção sistólica como monoterapia inicial | B, C* |
I | Pacientes assintomáticos com disfunção sistólica após infarto agudo do miocárdio, c/ CMPD, CMPI, Miocardite, em associação com IECA ou BRA | B, C** |
IIb | Nebivolol em pacientes com idade < 70 anos, e bisoprolol/carvedilol/succinato de metoprolol para idade > 70 anos, Classe Funcional II-IV da NYHA com disfunção sistólica associado com IECA ou BRA | B, C* |
III | Propranolol e Atenolol para o tratamento da IC com disfunção sistólica | C |
Outro aspecto importante a ser ressaltado é que os betabloqueadores não devem ser iniciados na vigência de uma descompensação, visto que existe um efeito depressor na função cardíaca logo no início da terapia e os benefícios são observados apenas com 2 a 3 meses de uso. E no caso de uma descompensação na vigência do uso de betabloqueador, deve-se tentar manter a dose utilizada e, nos casos mais graves, reduzi-la à metade. A suspensão dessa medicação é preconizada apenas na presença de sinais de baixo débito cardíaco.
O uso dos betabloqueadores na ICC está contraindicado nos seguintes casos: pacientes com bloqueios atrioventriculares avançados; portadores de doença arterial periférica grave e portadores de asma brônquica ou DPOC grave, em vigência de broncoespasmo.
Assim, excetuando-se as circunstâncias citadas acima, os betabloqueadores estão indicados para todos os pacientes portadores de Insuficiência cardíaca crônica com disfunção sistólica sintomática e também no pós-infarto.